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O Fim de Uma Era: Por que os Ramones Acabaram em 1996
Vinte e dois anos de turnês ininterruptas, conflitos internos e desgaste pessoal levaram os Ramones ao fim inevitável.

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Era agosto de 1996. O calor sufocante de Hollywood contrastava com o clima pesado que pairava no backstage do Palace Theatre. Após vinte e dois anos de estrada e exatos 2.263 shows, os Ramones acabaram. Ninguém ali imaginava que aquela seria realmente a despedida final de uma das bandas mais influentes da história do rock.
A Máquina que Não Parava de Tocar
Os Ramones performaram 2.263 concertos, fazendo turnês virtualmente sem parar por 22 anos. Essa estatística impressionante conta só uma parte da história. Por trás dos números estava um grupo de homens exaustos, presos numa rotina que os consumia por dentro.
Desde 1974, quando se formaram no Queens, os Ramones viviam numa correria constante. Estúdio, turnê, estúdio, turnê. A fórmula funcionava musicalmente, mas cobrava um preço alto dos integrantes. Johnny Ramone, sempre o mais pragmático, via a banda como um negócio que precisava funcionar. Joey, mais sensível e idealista, sentia o peso emocional daquela vida nômade.
Os Conflitos que Ninguém Via
Particularmente entre Johnny e Joey (na verdade, eles nunca se falaram por 22 anos). Essa informação choca quem não conhece os bastidores da banda. Dois homens que criaram juntos algumas das canções mais importantes do punk passaram mais de duas décadas se evitando.
O problema começou cedo, mas se intensificou quando Joey se apaixonou pela namorada de Johnny. A tensão política também pesava: Joey era um hippie liberal enquanto Johnny tinha visões conservadoras. Imaginem dividir um ônibus de turnê com alguém com quem vocês não falam há anos.
Dee Dee: O Primeiro a Desistir
Dee Dee deixaria a banda após a turnê do Brain Drain, citando o desejo de ficar sóbrio e se manter saudável. “Eu estava doente: era bulímico e anoréxico, e ninguém conseguia perceber porque eu tomava tantos antidepressivos que estava inchado por causa deles”, relembrou Ramone anos depois.
A saída de Dee Dee em 1989 foi um marco. Ele era o principal compositor da banda, o cara que escrevia aquelas letras diretas e poderosas. Por que ele saiu? Para se tornar um rapper. Sim, um rapper. Ele se chamava Dee Dee King e lançou um álbum chamado Standing in the Spotlight. Pode soar bizarro hoje, mas na época fazia sentido pra ele – era sua forma de escapar daquela prisão que os Ramones tinham se tornado.
O Declínio Comercial
Para ser honesto, eles provavelmente só tinham a si mesmos pra culpar, já que a qualidade de sua música despencou pouco depois de deixar sua gravadora de longa data, Sire Records, após Brain Drain de 1989. A verdade dói, mas os últimos álbums não tinham a energia dos primeiros trabalhos.
Os Ramones nunca foram devidamente pagos por inventar o punk rock. Joey recebeu apenas um disco de ouro americano em sua vida, pela coletânea Ramones Mania de 1988. Vinte e dois anos de carreira, influência imensurável no rock mundial, e quase nenhum reconhecimento comercial. Isso desgasta qualquer um.
A Última Turnê
O ano de 1996 começou com os Ramones fazendo parte do Lollapalooza, festival que reunia bandas alternativas na época. Era irônico: eles, que inspiraram boa parte daquele movimento, estavam ali quase como veteranos convidados de honra. Após o festival, fizeram uma breve turnê pelos clubes – voltando às origens, de certa forma.
Os Ramones tocaram seu 2.263º e último concerto em Hollywood, Califórnia, em 6 de agosto de 1996. O setlist foi nostálgico, repleto de clássicos. “Blitzkrieg Bop” abriu o show, como sempre. “I Wanna Be Sedated” ganhou um peso diferente naquela noite.
O Fim Inevitável
Quando a cortina se fechou no Palace Theatre, todos sabiam que era o fim. Não havia mais energia pra continuar, não havia mais química entre os membros, não havia mais público suficiente pra sustentar a operação. Sucesso comercial limitado, críticas devastadoras de críticos que os viam como piada, e brigas constantes entre os membros tornaram a continuidade impossível.

O mais trágico é que até 2014, todos os quatro membros originais haviam morrido: o vocalista Joey Ramone (1951–2001), o baixista Dee Dee Ramone (1951–2002), o guitarrista Johnny Ramone (1948–2004) e o baterista Tommy Ramone (1949–2014). Em menos de duas décadas, os quatro pioneiros do punk se foram.
Os Ramones acabaram porque às vezes as coisas boas chegam ao fim. Eles deram tudo que tinham pra dar, influenciaram gerações inteiras e criaram um legado que nunca vai morrer. Talvez fosse melhor parar ali, no topo, do que se arrastar por anos sem propósito.
O Documentário que Ninguém Queria Ver
Em 2003 saiu “End of the Century: The Story of the Ramones”, um (excelente) documentário que levou anos pra ficar pronto e chegou nas telas logo antes de Johnny morrer em 2004. O título veio do álbum mais polêmico deles, aquele gravado com Phil Spector que quase enlouqueceu todo mundo.
A parte mais dolorosa do filme? Assistir Johnny tentando explicar por que se importava com a morte de Joey. Os diretores perguntam, e ele fica ali, visivelmente pensando, tentando achar uma resposta. Depois de uns segundos constrangedores, ele só fala: “Eu não sei”.
Johnny admitiu no documentário que quando Joey estava no hospital morrendo de linfoma, ele se recusou a telefonar pra ele. Disse que uma tentativa de reconciliação seria inútil. Imaginem 22 anos de história musical, e no final nem um telefonema.
O mais trágico aconteceu com Dee Dee. Em março de 2002, quando os Ramones foram induzidos ao Rock and Roll Hall of Fame, ele subiu no palco do Waldorf Astoria e fez um discurso que deixou todo mundo sem saber se era pra rir ou chorar: “Eu gostaria de me parabenizar, me agradecer e me dar um tapinha nas costas. Obrigado, Dee Dee, você é muito maravilhoso”.
Os outros membros sabiam que Dee Dee não estava bem. Ele parecia confuso, perdido. Onze semanas depois da cerimônia, em junho de 2002, Dee Dee foi encontrado morto de overdose de heroína no sofá do seu apartamento em Los Angeles. O documentário ainda estava sendo finalizado – as últimas entrevistas com ele foram algumas das derradeiras gravações antes da morte.
O filme mostra o quanto eles eram diferentes: Joey, o hippie sensível que queria mudar o mundo; Johnny, o conservador pragmático que via tudo como negócio; Dee Dee, o cara criativo mas autodestrutivo que escrevia as letras geniais. Como um crítico disse: “é triste que eles não receberam o respeito e sucesso que mereciam até a maioria ter morrido”.
Talvez o documentário seja mais importante que qualquer álbum dos Ramones. Ele preservou as últimas entrevistas de Joey e mostrou a verdade crua por trás da lenda. Às vezes a realidade é mais punk rock que a própria música.
Hoje, quando escutamos “Pet Sematary” ou “Sheena Is a Punk Rocker”, não pensamos nos conflitos ou no desgaste. Pensamos na energia pura daqueles quatro caras do Queens que mudaram o rock pra sempre. E talvez seja assim que eles gostariam de ser lembrados – através da música, não das brigas.